Casa Bartló (Barcelona), de Antoni Gaudí. |
Então sentei na
sala imensa
e folheei as
revistas da moda;
então aceitei o
café
e a água e
disse “com açúcar”
ao
criado gentil. Então
retomei a
leitura de um artigo,
pequeno texto,
entre duas deusas,
nota
explicativa a decifrar
daqui a mil
anos − hieróglifo.
Veio o café.
Veio a água.
Um guardanapo
tão macio
que era como se
me beijasse
uma deusa da
revista. Entreteve-me
depois, comentando
o mar
− pois era o
que se via da janela −
o criado, que
já disse ser gentil.
Então bocejei.
E o gentílimo
criado
perguntou se não
queria repousar
um pouco, sim?
Então fui pelo
imenso corredor
e ele abriu-me
a porta, branca porta,
para o quarto
confortável.
Deixou-me. Só,
vejo-me deitado
na grande cama
de casal, maior ainda
do que sempre
tinha sido...
Como tudo foi
crescer assim
e ser, apesar,
tão íntimo?
Que fermento
dilatou a vida,
o travesseiro,
a cabeceira, o casamento?
E até mar se
via ainda,
ali, bem ali,
onde era um prédio.
E senti outros
inchaços, deitado
naquela cama:
como se
tudo estalasse,
partindo-se...
Inclusive os
cristais guardados
para o jantar,
o aparelho
que nos deram
os padrinhos.
E todo o
enxoval crescera muito,
com presentes
de estranhos...
Eu nem
reconhecia seu buquê,
amor, na foto
da cômoda:
como
em vez de
rosas, girassóis?
− e não
reconheci nenhum de nós?
In: SALDANHA, Wladimir. "Culpe o vento". Rio de Janeiro: 7Letras, 2014.
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