A espera
Se vens para ficar, então já não
me digas.
Basta a chuva − ela o disse − e o
vento nas cornijas.
Nos móveis o silêncio, que neles
se expande
tal qual essa poeira, que de ti
prescinde.
Não fales coisa alguma. Outrora,
essa verruma
em minha carne, escuta: cada
passo, um riso
repercutido, o cão que late, uma
cancela
que bate, e esse trem – já foi,
ainda vem
sobre meus ossos. Fica, nada
fales: nada
há a dizer. Deixa a velha chuva
enfim chover,
e o vento marulhar nas túlias;
deixa uivar
esse cão, ao relento; bater, essa
cancela,
ir-se embora o insabido, o ermo
desta espera
de eu morrer. Fica, se vens para
permanecer.
L'Attente
Si tu viens
pour rester, dit-elle, ne parle pas.
Il suffit de
la pluie et du vent sur les tuiles,
il suffit du
silence que les meublent entassent
comme
poussière depuis des siècles sans toi.
Ne parle pas
encore. Écoute ce qui fut
lame dans ma
chair : chaque pas, un rire au loin,
l'aboiement
du cabot, la portière qui claque
et ce train
qui n'en finit pas de passer
sur mes os.
Reste sans paroles : il n'y a rien
à dire.
Laisse la pluie redevenir la pluie
et le vent
cette marée sous les tuiles, laisse
le chien
crier son nom dans la nuit, la portière
claquer,
s'en aller l'inconnu en ce lieu nul
où je
mourais. Reste si tu viens pour rester.
Menino, eu
já sabia como é doce...
Menino,
eu já sabia como é doce
partir,
porque jamais deixara a barca
das
colinas, varando outro horizonte
além
da chuva na manhã cerrada
e
precisava achar de qualquer jeito
o
bom fanal que devolvesse os mares
a
seus lugares sobre o mapa e não
entornasse.
De meu, só meus dez anos
e mais viagens, sim, em cada bolso,
que os grandes navegantes − e olha que
se eu consenti trocar a minha Serra
Leoa por Yakutia, foi que
o rendado de neve, realmente,
em torno à figurinha era mais frio.
Enfant, je savais comme partir est doux...
Enfant, je savais comme partir est doux
pour n’avoir jamais quitté la barque
des collines, fendu d’autre horizon
que la pluie quand elle ferme le matin,
et qu’il me fallait à tout prix trouver
la bonne lumière pour poser les mers
à leur place sur la carte et ne pas
déborder. J’avais dix ans et
plus de voyages dans mes poches
que les grands navigateurs, et si
je consentais à échanger la Sierra
Leone contre la Yakoutie, c’est que
vraiment la dentelle de neige
autour du timbre était la plus forte.
Até onde pude pesquisar, o belga Guy Goffette é uma exceção entre os poetas francófonos de hoje: utiliza métrica (sem rigidez) e rimas (às vezes internas); revisita os velhos temas da infância e do amor; não festeja desorientações à la mode... Mas também não é hermético nem conceitual, o que para mim significa dizer, muito simplesmente, que não é chato.
Isso existe? Existe. Um poeta que não tem medo de ser lírico e não se interdita numa língua de grandes. Ao contrário, até lhes faz "biografias poéticas", como a de Verlaine -- em Verlaine d'ardoise et de pluie ("Verlaine de chuva e ardósia"). Sendo assim, permiti-me algumas liberdades nos sonetos acima: no segundo, por exemplo, troco o adjetivo "forte" (forte, que tem a mesma grafia no feminino, em francês) por "fria" (que seria froide). O menino evocado fica, talvez, mais imaginativo. Mas acho que a troca tem a ver com a poética do autor.
Guy Goffette nasceu em 18 de abril de 1947, em Jamoigne, Gaume, na Lorena belga. Filho de operários, teve uma infância interiorana e mais tarde ingressou na École Normale d'Arlon Libre.
Foi professor por 28 anos em Harnoncourt, antes de se lançar à aventura de impressão e publicação de revistas, primeiro com os “cadernos” de poesia Triangle e, em seguida, com as edições do L’Apprentypographe, que dirigiu até 1987. Ao mesmo tempo, exerceu a crítica literária.
Isso existe? Existe. Um poeta que não tem medo de ser lírico e não se interdita numa língua de grandes. Ao contrário, até lhes faz "biografias poéticas", como a de Verlaine -- em Verlaine d'ardoise et de pluie ("Verlaine de chuva e ardósia"). Sendo assim, permiti-me algumas liberdades nos sonetos acima: no segundo, por exemplo, troco o adjetivo "forte" (forte, que tem a mesma grafia no feminino, em francês) por "fria" (que seria froide). O menino evocado fica, talvez, mais imaginativo. Mas acho que a troca tem a ver com a poética do autor.
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Guy Goffette nasceu em 18 de abril de 1947, em Jamoigne, Gaume, na Lorena belga. Filho de operários, teve uma infância interiorana e mais tarde ingressou na École Normale d'Arlon Libre.
Foi professor por 28 anos em Harnoncourt, antes de se lançar à aventura de impressão e publicação de revistas, primeiro com os “cadernos” de poesia Triangle e, em seguida, com as edições do L’Apprentypographe, que dirigiu até 1987. Ao mesmo tempo, exerceu a crítica literária.
Publicou em vários gêneros e foi premiado com o Grande Prêmio de Poesia da Academia Francesa, pelo conjunto da obra, em 2001. Vive em Paris e integra conselhos editoriais da Gallimard.